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Ver todos13 | março | 2019
A Limitação dos Danos Extrapatrimoniais Imposta pela Lei 13.467/2017
O presente artigo tem por objetivo analisar e esclarecer as alterações trazidas pela Lei 13.467/2017 a respeito dos Danos Extrapatrimoniais, considerando que até então a CLT era omissa quanto ao tema e, em regra, aplicava-se às disposições do Código Civil obedecendo à regra hermenêutica de interpretação trazida pelo art. 8º da CLT, no “caput” e parágrafo primeiro.
Pois bem, a Lei 13.467/2017, promoveu alterações em inúmeros artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo, teoricamente, como objetivo e fundamento, o avanço socioeconômico e tecnológico da sociedade brasileira, de acordo com os responsáveis pela sua aprovação. Entretanto, inegavelmente a famigerada Lei da Reforma Trabalhista nega, em sua maioria, toda principiologia do Direito do Trabalho.
Todas essas alterações significativas na matriz principiológica do Direito Material e Processual do Trabalho, em tese, permitiriam a aplicação subsidiária do direito comum como fonte do Direito do Trabalho, a fim de se efetivar a aplicação e o objetivo protetivo da norma trabalhista no cotidiano laboral. Importante mencionar que, a partir da reforma trabalhista, o Direito do Trabalho que vivenciávamos se descaracteriza e passa a existir, de certo modo, uma nova disciplina.
Ademais, nunca é tarde para relembrar que, infelizmente, a Lei 13.467/2017 foi simplesmente aprovada sem qualquer debate popular ou participação de instituições especializadas quanto ao tema, tendo sido instituída de forma extremamente rápida no sistema jurídico pátrio. A redação falha e problemática de alguns pontos, além da aprovação condicionada a edição de uma medida provisória (MP 808/2017) prometida pelo então Presidente da República, Michel Temer teve como objetivo corrigir erros e excessos crassos de sua redação, todavia não foi sequer enviada para votação, permanecendo o texto originário da Reforma Trabalhista.
Pois bem, certo é que o “velho” Direito do Trabalho apresentava uma legislação mais inflexível e com viés mais protetivo, e não poderia ser diferente, considerando que a ideologia trabalhista advém de conquistas sociais e a busca da proteção do hipossuficiente. A reforma trabalhista de certa forma quebrou tais paradigmas com alterações impostas legalmente, em especial quanto a regulamentação dos Danos Extrapatrimoniais.
No tocante ao que interessa neste artigo, a Reforma Trabalhista incluiu os artigos 223–A e seguintes, criando a figura dos Danos Extrapatrimoniais na CLT. Entretanto, o legislador ordinário não agiu de forma acertada, pecando na redação e inclusão dos artigos dentro do corpo da Consolidação.
Antes de passar à análise de todos os novos dispositivos da CLT a respeito dos Danos Extrapatrimoniais, destaca-se a lamentável tarifação dos danos, trazida pelo Art. 223–G, parágrafo primeiro da CLT. A tarifação dos Danos Extrapatrimoniais, tendo por base o salário do trabalhador ofendido é uma forma triste e inconstitucional de tentar resolver a questão da quantificação dos referidos danos, a qual há de ser considerada, com as devidas vênias aos entendimentos contrários, uma aberração jurídica no texto da lei. A ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho) ajuizou uma ADI nº. 5870, a qual sustenta a violação do inciso XXVIII do Art. 7º, Art. 170 e do Art. 225, todos da CF/1988, considerando o teor dos incisos I, II, III e IV do Art. 223–G da CLT.
Não obstante, como já dito anteriormente, a CLT nada trazia a respeito dos Danos Extrapatrimoniais, tendo a Lei 13.467/2017, que entrou em vigor em 11.11.2017, inovado o texto da Consolidação (CLT) acrescentando o Título II – A, o qual trata do referido assunto. Destaca-se, também, que além de o legislador tentar definir todas as possibilidades de Danos Extrapatrimoniais, o que não soube fazer, ainda os precificou.
Ademais, o Art. 8ª da CLT, em seu parágrafo primeiro, dispunha que o direito comum seria fonte subsidiária do direito do trabalho nos casos de compatibilidade e omissão da CLT. Assim, sempre se utilizou dos dispositivos do Código Civil para resolver os conflitos envolvendo as ações de indenização por Danos Extrapatrimoniais na Justiça do Trabalho, até pelo fato de existir a teoria do Diálogo das Fontes.
Com a alteração do parágrafo primeiro do Art. 8º, deixa de existir o requisito da compatibilidade para se aplicar as normas do direito comum, o que em primeiro momento leva a crer que tais normas seriam aplicadas imediatamente, diante apenas de omissões na CLT. Todavia a incoerência é gritante, ao passo que, quanto aos Danos Extrapatrimoniais, existe a vedação do uso dos diplomas do direito comum, em especial o Código Civil.
Percebe-se, portanto, a contradição interna do texto reformado da CLT, que ora roga pela aplicação do direito comum e outrora exclui esta possibilidade. Tal fato, como já mencionado, decorre da má redação e atecnia do texto da reforma trabalhista.
O Art. 223–A da CLT traz em seu texto a expressão “apenas”, sendo certo que no projeto de lei constava a expressão “exclusivamente”, de modo que fica claro, diante de uma simples leitura do texto da Consolidação, que a intenção é excluir a aplicação das normas do direito comum. A expressão não deixa margens a dúvidas de que a intenção é não permitir a aplicação das regras e disposições legais do direito comum aos Danos Extrapatrimoniais trabalhistas, o que diante de uma análise mais aprofundada, fere ainda o princípio da isonomia.
Há de se pensar na seguinte situação, utilizando o recente caso da Mineradora Vale, na cidade de Brumadinho/MG: Um trabalhador que sofreu uma amputação de membro tem a sua indenização moral limitada a 50 vezes o último salário e, ao mesmo tempo, um comerciante da região que não possui vínculo de emprego com a Mineradora não terá qualquer teto indenizatório. Isso evidencia que o trabalhador tem um valor menor que o comerciante da região, o que causa certo impacto e espanto.
Assim, verifica-se que da forma que estão hoje regulamentados pela CLT os Danos Extrapatrimoniais, o trabalhador tem a indenização limitada, enquanto qualquer outra pessoa não sofrerá essa limitação. Destarte, portanto, chegamos à conclusão de que um trabalhador regido pela CLT fica prejudicado na comparação com qualquer outro cidadão, o que não nos parece razoável.
Outrossim, se pensarmos em dois empregados, um gerente de operações e outro operador de máquina, as indenizações se diferenciam pelo valor do salário, até atingirmos a conclusão de que um membro de um trabalhador da gerência tem valor maior do que o operador, situação essa lastimável, vez que até então, não tínhamos algo assim em nosso sistema jurídico.
Tem-se que destacar ainda que o rol de direitos protegidos da pessoa física é por vezes inferior que o rol de direitos protegidos da pessoa jurídica, como por exemplo o nome. Ora, não nos parece razoável que o nome da pessoa jurídica seja tutelado ou protegido e o nome da pessoa física não conste no rol de bens tutelados, contrariando as disposições do Código Civil, que têm extensa regulamentação sobre o nome da pessoa natural.
São inúmeras as diferenças de tratamento e as limitações impostas pela CLT após a inclusão do Art. 223–A e seguintes no texto Consolidado (CLT), como por exemplo a intenção de vedar a cobrança dos danos em ricochete ou Danos Extrapatrimoniais reflexos, a ausência da tutela expressa do direito à vida, integridade psíquica, dentre outras modalidades.
Assim, percebe-se que a CLT após as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, em especial, no tocante aos Danos Extrapatrimoniais, apresenta e traz prejuízos, além de as inconstitucionalidades da redação dos referidos artigos serem inegáveis. Demonstrada está a nítida intenção do legislador em prejudicar os trabalhadores tarifando a indenização, excluindo bens tutelados pelo Código Civil do texto da CLT, excluindo a aplicação do direito comum de forma contraditória, além de rebaixar a condição de trabalhador perante toda a sociedade civil.
Não se pode esquecer dos princípios básicos da República Federativa do Brasil, principalmente o princípio basilar de todas as relações, dignidade humana, somado aos princípios da valorização do trabalho humano, justiça social e não retrocesso social. O texto reformado da CLT contraria não só dispositivos Constitucionais, mas também a forma de intepretação conforme a Constituição, a teoria do diálogo das fontes e a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro. O Direito é uma ciência única formada por microssistemas que interagem constantemente.
Permitir a violação de tais princípios Constitucionais é negar o Estado Democrático de Direito. Portanto, em que pese a nova redação da CLT e a vigência dos Arts. 223–A e seguintes, é dever observar essas contradições e incoerências do texto da Consolidação (CLT) após a reforma de 2017 frente à Constituição de 1988. Sempre se deve buscar o cumprimento das normas Constitucionais que nos parecem esquecidas no tempo, sendo certo que o direito comum deve ser aplicado às normas trabalhistas a fim de complementar a intepretação e efetivar os bens jurídicos tutelados protegendo a intimidade, honra, nome, vida, integridade física, mental e a saúde de toda sociedade civil.
Dr. Dhiego Tadeu Rijo Moura
OAB/SP 393.628