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16 | janeiro | 2019

É possível cobrar honorários de trabalhadores beneficiários da Justiça gratuita?

Caro leitor, neste breve artigo irei abordar a possibilidade da cobrança de honorários advocatícios nos processos que tramitam perante à Justiça do Trabalho, sob a ótica do trabalhador, mais conhecido nas demandas laborais como reclamante. Primeiramente, é imprescindível para o desenrolar do raciocínio estabelecer e esclarecer alguns conceitos a respeito da temática, bem como efetuar um breve voo panorâmico a respeito da história da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita e regulamentação anterior à famosa Lei da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017.

Pois bem, certo é que a Constituição Federal de 1988 prevê uma série de direitos e garantias fundamentais, dentre as quais destaco a de acesso à justiça, conforme art. 5º, XXXV da CF, e o direito à assistência judiciária gratuita, conforme art. 5º, LXXIV. Assim, imprescindivelmente que as normas infraconstitucionais que tratam destes temas, devem ser interpretadas, conforme a Constituição, o que chamo, bem como toda a doutrina, de interpretação conforme.

Ademais, destaco que a assistência judiciária expressa no texto da Carta Magna da República é tratada como gênero, ou seja, consiste no direito de a parte possuir um advogado gratuito do Estado, mas não é só, também possui o direito de estar isenta de todas as despesas e taxas processuais, estando abrangida pela ideia de justiça gratuita.

O instituto da justiça gratuita é uma espécie do gênero assistência judiciária gratuita, o que garante ao cidadão, na forma do art. 98, §1º do CPC, a isenção de diversas despesas processuais. Dentre elas, o objeto do presente artigo, honorários de sucumbência ou honorários de advogado. Desde já, imperioso destacar que a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça não afasta a responsabilidade do pagamento dos referidos honorários pela parte que teve a justiça gratuita deferida, conforme regra do §2º do art. 98 do CPC.

Aqui, uma breve explicação a respeito da aplicação e da citação deste artigo do CPC – Código de Processo Civil – antes de continuarmos o raciocínio. O art. 769 da CLT, bem como o art. 14 do próprio CPC trazem que o direito processual comum é fonte, nos casos de omissão e compatibilidade, do direito processual do trabalho, além do que com a recente modificação em 2015 que ainda pode ser aplicada de forma supletiva as regras do direito processual comum ao direito processual trabalhista.

Muito bem, passo agora a discorrer a respeito diretamente da problemática proposta pelo artigo, iniciando com uma breve comparação, antes da Lei 13.467/17 e depois da Lei 13.467/17. Anteriormente à promulgação desta lei, o art. 790, §3º da CLT regulava a concessão dos benefícios da justiça gratuita ao Processo do Trabalho. Para tanto o referido artigo contemplava duas hipóteses: a requerimento da parte ou de ofício pelo Juiz. O primeiro caso, de receber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal e a segunda declarar sob as penas da lei, que não possui condições de pagar e arcar com as custas do processo sem prejuízo de seu sustento e sustento familiar.

Verifica-se que a primeira hipótese se trata de uma presunção de veracidade legal com um critério objetivo de quantificação da renda, enquanto a segunda se relacionava àqueles que percebiam salário maior que a condição objetiva da primeira explicada acima e declarassem que mesmo assim não possuíam condições de arcarem com as despesas sem prejuízo do sustento familiar e próprio.

Ocorre que, sempre se entendeu na Justiça do Trabalho, por força da Lei 7.115/83, art. 1º, que a declaração tinha presunção de veracidade quando firmada por pessoa natural, de modo que, bastava a juntada da declaração para a concessão dos benefícios pretendidos, cabendo a parte contrária fazer prova em sentindo oposto. Ou seja, a declaração possuía força relativa de prova e não absoluta, o que, de certo modo, nunca foi entendido pelos operadores da área, considerando que não são raras as decisões que mencionam a ausência de interesse recursal da parte contrária em questionar se a parte autora, os trabalhadores, possuem ou não condições de arcar com as despesas, mas continuamos.

Quanto aos honorários advocatícios, antes da Lei 13.467/17, as Súmulas 219 e 329 do Tribunal Superior do Trabalho, bem como a Lei 5.584/1970 regulavam a matéria, sendo certo que as condenações em honorários advocatícios se davam em casos muito específicos e somente quando obedecidos os critérios fixados.

Após a promulgação e entrada em vigor da Lei 13.467/17, a lei da reforma trabalhista, o art. 790 da CLT sofreu sensíveis mudanças. A nova redação do §3º da CLT e a introdução do §4º alteraram toda a dinâmica, fazendo com que a concessão ou não da Justiça Gratuita se tornasse ainda mais importante no cenário trabalhista.

Concernente ao §3º do art. 790 da CLT, a mudança ampliou o leque de acesso à justiça, ao passo que, alterando a hipótese de presunção legal de veracidade do estado de pobreza, com um aumento no teto de renda para a concessão, a quantidade de pessoas abarcadas pela nova redação da lei é maior.

Com relação ao §4º do mesmo artigo, duas modificações importantes. A primeira delas, quanto à impossibilidade atual de concessão de ofício do benefício da Justiça Gratuita àqueles que percebam salário maior que 40% do teto do Regime Geral da Previdência Social e a segunda delas e, no meu ponto de vista, a mais importante, é o fato de que a expressão “declarar” foi substituída por “comprovar”, sendo que não basta a parte que receba mais de 40% do limite declarar a situação de não conseguir arcar com despesas, deve comprovar a alegação, seja através de documentos fiscais ou não.

Obviamente que a presunção não se torna absoluta, e pode ser afastada ainda por provas em contrário. Há quem defenda que nada mudou com a alteração, diante da interpretação conforme e sistêmica da CLT com outros diplomas jurídicos. Ou seja, que seria suficiente apenas a declaração de próprio punho da parte ou de advogado com poderes específicos (Art. 105 do CPC e Súmula 463 do TST), porém não coaduno, com as devidas vênias, desse entendimento.

A CLT, com a alteração, deixa cristalino que a parte deve provar a impossibilidade de recursos e não mais apenas declarar. Isto porque, partindo desse pressuposto, até para uma pessoa com condição financeira extremamente confortável, a partir da declaração firmada, a Justiça Gratuita seria deferida. Não me parece muito razoável, ainda que diante dos princípios do processo do trabalho e princípios constitucionais. Em breve comparação com a Justiça Comum, quando se requer o benefício da Justiça Gratuita e se junta apenas a declaração, normalmente o despacho exarado pelo Juiz é: “Junte a parte requerente documentos hábeis a comprovar sua situação de pobreza, sob pena de indeferimento do requerimento”.

Ora, assim temos que, para àqueles que percebem salário menor que 40% do limite legal estabelecido, a Justiça Gratuita deve ser concedida, tendo em vista que o critério é objetivo, salvo se inexistem os pressupostos legais para a concessão e provas em sentido contrário. No outro caso, quando a parte receber mais do que o limite legal estabelecido, deve-se comprovar a hipossuficiência de forma robusta, não bastando a declaração, pura e simples. Obviamente que, se houverem provas preexistentes ou produzidas pela parte contrária que afastam a prova produzida pelo autor, de forma satisfatória, não haverá concessão dos benefícios.

Quanto aos honorários, conforme dito anteriormente, antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, a matéria era regulada pelas Súmulas 219 e 329 do TST, com base na Lei 5.584/70. Após a Lei 13.467/17, com a introdução do art. 791-A na CLT, a temática foi direcionada para caminho completamente diferente, sendo agora os honorários de advogado devidos por mera sucumbência, inclusive recíproca. Indiscutivelmente, o art. 791-A da CLT é a maior novidade da reforma trabalhista.

Atualmente, para os processos distribuídos após a Lei 13.467/2017 (a discussão sobre a possibilidade de aplicação das normas materiais e processuais aos processos distribuídos anteriormente à Lei 13.467/2017 ficará para um próximo artigo) a regra de condenação dos honorários advocatícios é regulada por mera sucumbência, de acordo com o art. 791-A da CLT. Quanto ao beneficiário da Justiça Gratuita, o § 4º do art. 791-A da CLT, dispõe que a concessão dos benefícios da justiça gratuita não afasta a responsabilidade pelo pagamento dos honorários de advogado, vejamos:

“§ 4o  Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).”

Ressalto que o CPC, art. 98, §3º, trata de regra semelhante. Interessante observar que o texto da lei (CLT) dispõe e traz a expressão que “créditos capazes de suportar a despesa”, merecendo uma interpretação, no meu ponto de vista, a ser entendida como crédito capaz de retirar da parte aquela condição de insuficiência de recursos, mas não chegando ao excesso de ter obrigatoriamente de retirar da parte a condição de pobre na acepção jurídica do termo. Óbvio que não se trata tão somente de uma equação matemática financeira, ou simplesmente de suportar a despesa.

Aqui ressalto que a verba de sucumbência também possui caráter alimentar do advogado da parte vencedora. Outrossim, por uma questão de celeridade processual, e por não se tratar de execução de ofício, nada impede que o Magistrado efetue a dedução da verba honorária do eventual crédito a ser recebido pelo autor da demanda, em uma hipótese de procedência parcial dos pedidos.

Ora, em razão do princípio da efetividade da execução do processo do trabalho e, até mesmo, o da celeridade, os quais, são aplicáveis à ambas as partes, inclusive, em observância ao princípio do equilíbrio processual, não há razão para pugnar por uma execução autônoma, o que traria uma dificuldade extrema na exigibilidade e cobrança da verba alimentar, com as devidas vênias aos entendimentos diversos.

Em uma posição talvez mais conservadora, criar obstáculos ao percebimento da verba seria deixar a letra da lei sem efetividade de forma proposital. Assim, para concluir o propósito deste trabalho, é possível cobrar honorários advocatícios dos beneficiários da Justiça Gratuita após a introdução do art. 791-A na CLT, observando as novas regras processuais e agindo com bom senso. Os Juízes e operadores da área enfrentarão desafios constantes no dia a dia da prática trabalhista a fim de efetivar a lei, sem prejudicar as partes envolvidas no processo.

Por fim, cumpre informar o leitor de que a Procuradoria Geral da República ingressou, porém, com uma ADI, Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº. 5766/2017 perante o STF, tendo como objeto o art. 790-B, “caput” e §4º, art. 791-A, §4º e art. 844, §2º, da CLT, por entender que essas normas violam os arts. 1º, incisos III e IV, 3º, incisos I e III, 5º “caput”, incisos, XXXV e LVXXIV e §2º; e 7º a 9º da Carta Magna, sendo o Ministro Relator, o Dr. Roberto Barroso, estando pendente de julgamento.

Dr. Dhiego Tadeu Rijo Moura

OAB/SP 393.628

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