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20 | março | 2020

COVID-19 e impactos jurídicos

Com o aumento de casos confirmados no Brasil, o novo Coronavírus (COVID-19) traz um cenário que provoca uma série de preocupações sobre possíveis impactos da doença nas relações jurídicas empresariais. Diante deste cenário, os sócios do escritório Rijo & Dalcorso Advogados esclarecem as bases legais de situações prováveis nas empresas em decorrência do avanço da doença, abordando a questão sob a tica de diversas áreas do Direito

A recém Portaria publicada pelo Ministério da Saúde (Portaria nª 356/2020) trata de medidas regulamentares e operacionais para enfrentamento do Coronavírus.

De acordo com a Portaria, a medida de isolamento (para pessoas contaminadas) somente poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica. A norma estabelece o prazo máximo de 14 dias, podendo se estender por igual período se comprovado o risco de transmissão via teste laboratorial, sendo certo ainda que não será indicada medida de isolamento quando o diagnóstico laboratorial for negativo.

Já a quarentena, para os casos suspeitos, será determinada mediante ato formal e devidamente justificado, emitido pelo Secretário de Saúde de cada estado ou município, podendo ser adotada pelo prazo de 40 dias ou o tempo necessário para minimizar a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território Nacional.

A regra ainda estabelece que a realização compulsória de exames médicos, laboratoriais e outros tratamentos específicos, dependerá de ato médico ou de um profissional de saúde. Entretanto, a coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas não demanda indicação profissional.

Ressalta-se que diante do avanço da doença e das últimas orientações do Ministério da Saúde, muito provavelmente novos atos, portarias e informativos relacionados ao COVID-19, devem ser publicados nos próximos dias e semanas.

Ademais, a Lei 13.979/2020 estabelece que toda pessoa deve colaborar com autoridades sanitárias na comunicação imediata de possíveis contatos com agentes infecciosos e circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo COVID-19. A legislação também prevê o compartilhamento obrigatório entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção. As informações pessoais referentes a casos identificados, no entanto, devem ser preservadas tanto nas divulgações públicas do Ministério da Saúde quanto internamente nas empresas.

A legislação trabalhista já prevê hipóteses nas quais o empregado é obrigado a se submeter à realização de exames médicos, com base nos artigos 168 e seguintes da CLT e também na Norma Regulamentar números 1 e 7 da Portaria nº 3.214/78. Todavia, quem determina a obrigatoriedade de realização de exames médicos para fins de prevenção da manutenção da saúde dos empregados é o médico ocupacional da empresa, que deve guardar o sigilo médico e tem o dever e a obrigação de fazer a comunicação para as autoridades de saúde, no caso de doença infecto contagiosa.

Assim, se o empregado apresentar sinais que possam representar potencial diagnóstico do COVID-19 e o médico do trabalho determinar que seja realizado o exame médico, não cabe ao empregado a recusa do mesmo, pois seria a hipótese de que o interesse público coletivo (preservação da saúde e higidez de todos os empregados) prevalece nitidamente sobre o interesse individual do empregado.

Importante salientar que uma recusa na realização do exame pode gerar punições ao empregado, de forma que o empregador pode usar de seu poder empregatício para a obrigatoriedade da realização do exame, buscando colaborar com todas as autoridades públicas e sociedade no combate da nova doença. Ainda, tal recusa pode inclusive gerar o término contratual, vez que o interesse coletivo e público deve prevalecer neste momento, principalmente pelo fato de a doença ter facilidade de transmissão.

A Legislação trabalhista prevê que o empregador é responsável por assegurar que as regras de segurança e saúde sejam cumpridas pela própria empresa e por seus empregados, podendo ser responsabilizado caso descuide desse cumprimento.

Outrossim, Na última terça-feira (10), representantes do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e de operadoras de planos de saúde concordaram pela inclusão de exame de detecção do Covid-19 no rol de procedimentos que constitui a cobertura mínima obrigatória.

Para as empresas que desejarem ter um plano de contingenciamento, a adoção de home office, seria uma alternativa e que a Reforma Trabalhista introduzida pela lei 13.467 de 2017, tem a previsão sobre a forma e condições para a realização de home office (teletrabalho), as quais deverão ser acordadas entre empregador e empregado, para permitir a continuidade do trabalho do empregado.

Pode-se utilizar ainda a adoção de férias coletivas, licença remunerada, lay off, utilização de banco de horas, redução da jornada com redução de salário, sempre observando as regras de negociação com o Sindicato da Categoria Profissional. Especificamente quanto as férias coletivas, o empregador deve comunicar a concessão de férias coletivas imediatamente e concedê-las com pagamento antecipado previsto em lei (art. 145 da CLT). Em caso de descumprimento ao prazo de 30 dias entre a comunicação e a concessão das férias, violando a regra disposta no artigo 135 da CLT, há risco de futuro questionamento acerca da validade da concessão das férias coletivas.

De toda forma, entendemos que vale ao empregador assumir tal risco, desde que haja o pagamento antecipado destas férias e do terço constitucional, a concessão deve ser considerada válida, pois a situação é de força maior e visa a proteção do interesse coletivo e da própria coletividade, podendo ser flexibilizada a regra de que a comunicação deve ter antecedência mínima de 30 dias.

As férias coletivas podem ser concedidas a todos os empregados ou apenas a alguns setores ou filiais, devendo haver a comunicação prévia ao Ministério da Economia (antigo Ministério do Trabalho), na forma do artigo 139, § 2º da CLT.

Dentre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do COVID-19, há previsão na Lei no. 13.979/2020 para que seja considerada falta justificada ao trabalho em situações do cumprimento de medidas orientadas pela Organização Mundial da Saúde, que incluem isolamento; quarentena; determinação de realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais. Neste cenário, o empregado que estiver em uma dessas situações, receberá normalmente o salário e benefícios, portanto, constituindo condição benéfica aos empregados.

A falta justificada deve ser paga normalmente pelo empregador, sem realizar descontos na folha de pagamento. Contudo, é preciso, ainda, ter em mente que o isolamento e a quarentena somente são válidos se determinados por autoridades públicas da área da saúde.

Outra questão, ainda, é que caso um funcionário seja afastado por mais de 15 dias, este deverá solicitar perante o INSS a concessão do auxílio-doença comum (que não se enquadra nas hipóteses de doença ocupacional ou acidente de trabalho).

Ressalta-se que no campo das obrigações contratuais trabalhistas, caso venha a ocorrer a necessidade de demissão de empregados decorrente de força maior comprovadamente gerada pelo COVID-19, o empregador ficará obrigado ao pagamento de metade do valor dos valores rescisórios/indenizatórios.

O empregado infectado pelo novo COVID-19 irá se submeter às mesmas regras dos demais doentes, ou seja, o empregador pagará os primeiros quinze dias e a previdência paga o benefício previdenciário (auxílio doença), em caso de preenchimento dos requisitos no período restante de incapacidade para o trabalho. Insta salienta que este afastamento não se confunde com aquele destinado à prevenção, isto é, a quarentena ou afastamento para evitar contato com outros trabalhadores, como medida de contenção. Este caso é de interrupção enquanto aquele de licença médica (interrupção pelos primeiros 15 dias e suspensão pelo período posterior).

É ainda, considerado acidente de trabalho atípico, o empregado que foi infectado no trabalho, pois se enquadra como doença ocupacional (artigos 19 e 20 da Lei 8.213/91).

Destaca-se ainda que se o infectado for um trabalhador autônomo que preste serviços à empresa, ou estagiário, o afastamento também será necessário e mera comunicação basta para esse efeito. Todavia, se for um trabalhador terceirizado, o tomador deverá impedir o trabalho imediatamente e comunicar a empresa prestadora de serviço empregadora para tomar as medidas cabíveis.

Cabe lembrar que o terceirizado é subordinado à empresa prestadora e não ao tomador, mas é de responsabilidade do tomador os cuidados com o meio ambiente de trabalho, na forma do artigo 5º-A, p. 3º da Lei 6.019/74, respondendo de forma objetiva o tomador em caso de não cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Por isso, as ordens para cumprimento das medidas de segurança, de higiene, utilização do EPI devem partir do tomador, não excluindo a possibilidade de o empregador (empresa prestadora) também fazê-lo, pois também pode responder em caso de prejuízo a saúde de seus empregados.

Para casos suspeitos, se o empregador ou o próprio empregado suspeite que fora contaminado, o isolamento é medida necessária a ser tomada para evitar o contágio dos demais empregados, terceiros e clientes, com as devidas precauções médicas já expostas no artigo, como atestado médico recomendando o afastamento. Se o trabalhador for um autônomo, estagiário ou eventual, a mesma recomendação deverá ser tomada. Todavia, caso seja um terceirizado, o tomador deverá comunicar o empregador (empresa prestadora de serviços) das medidas que tomará para proteção do meio ambiente, podendo, excepcionalmente, determinar regras de proteção à saúde e segurança do trabalho, como acima explicado. Ressalta-se que o empregador deve tomar precauções para não praticar discriminação no ambiente de trabalho, encaminhando apenas os casos realmente suspeitos ao INSS ou ao médico do trabalho, não devendo jamais se utilizar da Pandemia para praticar atos discriminatórios de forma indireta e implícita.

As empresas de tendência, quais sejam, aquelas em que o trabalhador precisa manter sua saúde intacta, pois trabalham com outros doentes ou com risco de contaminação coletiva ou em massa, podem obrigar todos os seus empregados e terceirizados a se submeterem ao exame preventivo do vírus, a seu custo, já que neste caso a finalidade é coletiva e de saúde pública, como já exposto, o que não pode ser recusado devido ao interesse público.

As empresas devem tentar contribuir para conter a pandemia do Coronavírus, praticando atos que evitem o contágio e a expansão do vírus. A medida não é só de higiene e medicina de trabalho, mas também de solidariedade, de colaboração com a coletividade, de interesse público e de dever de colaboração.

Desta forma, medidas como quarentena, o isolamento, exames obrigatórios em determinados casos, obrigatoriedade de uso de luvas e máscaras em casos específicos estão de acordo com a Lei 13.979/2020, sempre respeitando o princípio da razoabilidade e da prevalência do coletivo sobre o individual, da saúde coletiva sobre a lucratividade.

Diante do referido cenário, o empregado que se recusar a utilizar EPI adequado, ou que se recusar ao isolamento recomendado ou determinado coletivamente, poderá ser punido com advertência, suspensão ou justa causa, conforme já explicado logo de início. Por outro lado, o empregador que não adote medidas preventivas e de contenção pode estar praticando justa causa, de modo a ensejar a rescisão indireta daqueles que se sentirem diretamente prejudicados. É claro que a punição máxima depende do caso concreto e da probabilidade real de contágio e disseminação.

Obviamente que o empregador não poderá impedir o empregado do exercício de atividades particulares, mas deve reagendar viagens nacionais ou internacionais a trabalho não urgentes, assim como congressos, palestras e demais eventos públicos, assim como qualquer ato que coloque em risco seus trabalhadores. Ressalte-se que o empregador que obriga o empregado a viajar em período de pandemia tem responsabilidade objetiva sobre eventual contágio pelo contato com outras pessoas em decorrência deste deslocamento a trabalho (doença ocupacional – artigo 118 da Lei 8.213/91).

A responsabilidade subjetiva do empregador pode ser afastada pela utilização de medidas de precaução, como higiene constante do local de trabalho, uso de EPI, EPC e etc. Por isso, todas estas práticas devem ser documentadas para evitar futura alegação de responsabilidade patronal pelo contágio.

Não obstante, não é apenas o ambiente de trabalho que coloca em risco a saúde do trabalhador e demais envolvidos na dinâmica empresarial e cotidiana das empresas pela possibilidade de contágio, mas também a utilização do transporte público para ir e voltar do trabalho. Por isso, o isolamento é necessário mesmo no caso de a empresa possuir poucos empregados.

É claro que para as atividades essenciais ou aquelas cuja interrupção acarrete prejuízo irreparável outras medidas podem ser tomadas de forma a manter contínua a atividade empresarial, como escalas de trabalho, home office, utilização obrigatória de álcool gel na entrada, nas salas e setores, além de máscaras e luvas, despesas que correrão sempre por conta do patrão.

Por fim, obrigações contratuais que estejam comprovadamente comprometidas por conta do COVID-19 se enquadram em caso de força maior, de forma que nesses casos, a solução é buscar e promover uma negociação de boa-fé entre as partes para minimizar os danos. Caso não seja possível, deve-se recorrer à revisão ou resolução judicial, em que a força maior garante a não aplicação de penalidades, reforçando que cada caso deve ser avaliado individualmente, sempre com observância do interesse coletivo.

Foto COVID-19 e impactos jurídicos